RESUMO Apesar do aumento histórico da participação feminina na produção científica brasileira, reconfigurações domésticas e laborais para o controle da Covid-19 podem estar reduzindo a produtividade das mulheres cientistas. A pesquisa GenCovid-Br objetivou traçar um panorama da participação feminina nos artigos sobre Covid-19 das ciências médicas e da saúde, disponibilizados no PubMed, com ao menos um autor de filiação brasileira. Das 1.013 publicações até 14 de agosto de 2020, 6,1% foram escritas exclusivamente por mulheres; 17,2%, exclusivamente por homens; grupos mistos respondem por 31,1% com liderança feminina, e 45,6% com liderança masculina. As mulheres participam mais de artigos com primeira autoria feminina (50,1% vs 35,6% nos liderados por homens). Nos artigos de áreas da Medicina Clínica, em que as mulheres são maioria, ocorre menos participação de autoras, o que também acontece em publicações resultantes de colaborações internacionais. Os presentes resultados indicam a possibilidade de ampliação de desigualdades de gênero prévias durante a pandemia de Covid-19. Novos estudos devem aprofundar a investigação sobre a magnitude e os determinantes desse fenômeno, incluindo análises temporais. As políticas institucionais devem considerar as iniquidades de gênero nas avaliações acadêmicas, prevenindo impactos futuros nas carreiras das mulheres, em particular, das jovens pesquisadoras envolvidas na reprodução social.
RESUMO Esta revisão narrativa sintetizou evidências científicas sobre desigualdades de gênero e raça na pandemia de Covid-19, enfocando o trabalho produtivo/reprodutivo das mulheres, a violência de gênero e o acesso aos Serviços de Saúde Sexual e Reprodutiva (SSR). Os resultados confirmam que as desigualdades sociais devem ser consideradas para o efetivo controle da pandemia e para a preservação de direitos. Para além dos efeitos diretos do SARS-CoV-2, discute-se que barreiras de acesso a serviços de SSR podem ocasionar o aumento de gravidezes não pretendidas, abortos inseguros e mortalidade materna. O distanciamento social tem obrigado muitas mulheres a permanecer confinadas com seus agressores e dificultado o acesso a serviços de denúncia, incorrendo no aumento da violência de gênero e em desfechos graves à saúde. Como principais responsáveis pelo cuidado, as mulheres estão mais expostas a adoecer nas esferas profissional e doméstica. A conciliação trabalho-família tornou-se mais difícil para elas durante a pandemia. A literatura naturaliza as diferenças de gênero, raça e classe, com ênfase em fatores de risco. Uma agenda de pesquisa com abordagem interseccional é necessária para embasar a formulação de políticas que incorporem os direitos humanos e atendam às necessidades dos grupos mais vulneráveis à Covid-19.