Esta dissertação apresenta um primeiro estudo arqueológico sobre a escravidão com base em antigas fazendas oitocentistas de São Francisco do Sul (Santa Catarina), com o intuito de compreender a atuação da mão de obra escrava nesses espaços e a produção cultural presente nesses estabelecimentos. A pesquisa centrou-se, especificamente, nessa localidade por se tratar de um dos municípios mais antigos do estado catarinense e que, sobretudo no espaço rural, preservou na paisagem estruturas remanescentes do passado. O desenvolvimento da pesquisa levou em conta uma abordagem interdisciplinar fundamentada nos pressupostos teóricos e metodológicos da arqueologia da escravidão, uma linha de investigação da arqueologia histórica que combina diferentes fontes na análise de sítios arqueológicos do período escravista.
Esta proposta de trabalho apresenta um estudo no âmbito da História do Tempo Presente sobre os usos do passado e as apropriações patrimoniais inseridas nos percursos do reconhecimento dos remanescentes das comunidades dos quilombos em Santa Catarina. Esse direito se tornou uma possibilidade com a Constituição brasileira de 1988, que também permitiu o desenvolvimento de outras políticas voltadas aos povos e comunidades tradicionais (quilombolas e indígenas). Com as recentes discussões acerca do conceito de patrimônio e das outras formas de "patrimonializar", esses indivíduos passaram a ser alvo das ações patrimoniais entendidas como prioritárias. Especialmente acerca dos remanescentes das comunidades dos quilombos, para esses procedimentos se acionam, ademais da sociedade civil, agentes do Estado como a Fundação Cultural Palmares, o Incra e o Iphan, vinculados ao Ministério da Cultura e ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Em Santa Catarina, entre 2004 e 2014, foram efetuadas 13 certificações dos remanescentes das comunidades dos quilombos pela Fundação Cultural Palmares, sendo três inventariados pelo Iphan, no plano do patrimônio imaterial, e um titulado pelo Incra. Uma vez que essas ações se encontram imbricadas, tem importância pensar sobre os usos do passado na construção de narrativas identitárias, que mobilizam referenciais da História e de uma memória coletiva-partilhada em torno de um reconhecimento. Acrescenta-se ainda a menção recorrente de uma temporalidade associada aos ancestrais e suas heranças culturais que, mobilizada no presente, reforça a conquista de um atual espaço. Para exposição, o estudo enfatiza as comunidades do Sertão de Valongo, em Porto Belo, Invernada dos Negros, em Campos Novos, e São Roque, entre Praia Grande e Mampituba, inicialmente certificadas em Santa Catarina. Para tanto, o estudo analisa e interpreta um conjunto variado de fontes documentais (escritas, iconográficas e orais) e materiais de publicização do Iphan, presentes nos processos formados para reconhecer os remanescentes e inventariar o patrimônio cultural. Este trabalho faz parte de uma pesquisa de doutorado em andamento do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e se vincula ao Laboratório de Patrimônio Cultural (LabPac) desta Instituição.
Esta dissertação apresenta um primeiro estudo arqueológico sobre a escravidão com base em antigas fazendas oitocentistas de São Francisco do Sul (Santa Catarina), com o intuito de compreender a atuação da mão de obra escrava nesses espaços e a produção cultural presente nesses estabelecimentos. A pesquisa se centrou, especificamente, nessa localidade, por se tratar de um dos municípios mais antigos do estado catarinense e que, sobretudo no espaço rural, preservou na paisagem estruturas remanescentes do passado. O desenvolvimento da pesquisa levou em conta uma abordagem interdisciplinar fundamentada nos pressupostos teóricos e metodológicos da arqueologia da escravidão, uma linha de investigação da arqueologia histórica que combina diferentes fontes na análise de sítios arqueológicos do período escravista. Tais questões foram abordadas a partir de duas coleções arqueológicas, documentos oficiais (inventários, registros eclesiásticos, discursos e censos provinciais), jornais, mapas, fotografias e depoimentos orais, em grande parte referente ao período oitocentista. Considerando que havia uma lacuna relacionada aos locais de trabalho, à moradia e aos objetos cotidianos dos escravos da vila, a pesquisa ampliou os estudos ao reunir diferentes fontes de análise e elaborar algumas interpretações a respeito dos espaços e vestígios associados à escravidão. As marcas étnicas de africanos têm sugerido, em pesquisas arqueológicas, fortes semelhanças com as decorações encontradas em fragmentos e peças cerâmicas produzidas por escravos em diferentes regiões brasileiras. A comparação de marcas tribais com padrões decorativos efetuadas em diferentes suportes da cultura material, tais quais cachimbos e vasilhames com forte significado étnico, foi observada nas coleções estudadas. Tipos decorativos, conhecidos como escovado e inciso com variadas formas (linear, angular, em arco secante), semelhantes aos traços vinculados a etnias africanas indicaram, portanto, a possibilidade da incorporação de elementos dessas culturas em São Francisco do Sul. No ambiente rural, a maioria dos grupos escravos viviam, por sua vez, em habitações separadas da casa do proprietário (especialmente em famílias), mantendo proximidade dependendo da extensão da propriedade. Essas construções também poderiam ser coletivas, individuais ou familiares, relacionando-se com o tipo de arranjo familiar dos escravos. Embora os estudos tenham apontado para diversas moradias elaboradas com materiais mais rígidos e estruturados, acredita-se que os cativos francisquenses ocuparam pequenas casas com plantas simplificadas, de forma retangular, com um ou dois cômodos, como sugere a literatura sobre as senzalas em contextos rurais. Nesses cenários, parecem ter prevalecido construções feitas com paredes de pau a pique e cobertura de palha, como as choupanas ou cabanas, que abrigavam de dois a cincos escravos, residências mais simples e pouco resistentes ao tempo.Ao estudar os espaços e a materialidade, bem como os indícios contidos nas fontes históricas, realça-se que habitações simples e uma cultura material marcada por traços étnicos fizeram parte da história de São Francisco do Sul, mostrando que a população negra e escrava, ademais de ter acompanhado o processo de ocupação do território, construiu e reelaborou de forma sutil seus elementos culturais naquela localidade.