Este dossiê temático da ACENO tem como objeto as territorialidades e processos de identificação negras, quilombolas e indígenas. A proposta busca chamar a atenção para processos de identificação e territorialização que forneçam perspectivas adicionais às análises consolidadas que se dedicaram às tradições, à etnogênese e às situações de fronteiras étnicas, mais afeitos às mediações com o Estado-nação, que privilegiaram as relações políticas, agentes e agência da burocracia.
Um movimento renovado de coletivos indígenas, quilombolas e negros tem revisitado tais abordagens mediante a crítica sistemática aos padrões eurocentrados, brancos e coloniais que produziram a invisibilização sistemática do que esses movimentos consideram relevantes. Dentre essas, categorias como "retomada" e "resistência" – não apenas como reação mas como re-existência – territorial e existencial são fundamentais quando tomadas como conceitos que descrevem diferentes vínculos entre actantes dos mais diversos modos de existência.
A proposta privilegiará a publicação de etnografias e reflexões teóricas acerca desse novo cenário no qual entes produzem reflexões cosmopolíticas e modos de agir com (ou contra) o Estado-nação de modos antes insuspeitos. Espera-se que as contribuições contemplem a diversidade regional, étnico-racial e de gênero, bem como contribuições dos povos originários e povos e comunidades tradicionais.
Trata-se de consolidar olhares não pela via da memória ou da prova, mas pela cosmologia e relacionalidade estendida a todos existentes, recuperando algo dado como perdido ou inexistente. Pretende-se de sublinhar identificações e territorialidades que encontram novas maneiras de se expressar, retomando terras, práticas, contato com seres, objetos, linguagens sem que essas nunca tenham sido perdidas de fato.
Este artigo apresenta os resultados do plano de trabalho de pesquisa: "Análise preliminar da geometria no grafismo produzido pela comunidade Tupinambá" localizada no distrito de Olivença, município de Ilhéus, BA e vinculado à pesquisa-ação "Arquitetura Vernacular habitacional como expressão ambiental e cultural no Litoral Sul da Bahia" que vem sendo desenvolvida desde 2016. As atividades pautaram-se no protocolo de aprovação Conep 2.552.460/2018. O plano de trabalho objetivou registrar e analisar o grafismo quanto à geometria implícita e explícita em sua composição. Tal "idioma-código" vem sendo expresso por meio da pintura corporal e "impresso" nas paredes das habitações vernaculares. Os dados foram coletados entre dezembro de 2018 e abril de 2019, por meio da observação participante e desenhos de observação do grafismo. A composição gráfica foi analisada considerando princípios da geometria plana e não plana a fim de identificar as fi guras geométricas, fractais, sua disposição/ organização quanto à simetria, rotação, translação e os algoritmos geométricos. Os resultados mostraram que a composição gráfica considera o contexto geográfico e biodiversidade onde a comunidade indígena está inserida e carrega elementos gráficos resultantes da "etnogênese" e reelaboração cultural reforçando a identidade étnica Tupinambá. Dentre as principais formas geométricas identificadas, durante a análise, predominam: os círculos, os quadrados, os losangos, os triângulos, as linhas retas e onduladas. A composição gráfica apresenta simetria a partir de um eixo central e propriedades de rotação e translação. Já os algoritmos geométricos, fractais, foram constatados no conjunto de formas que se torna o elemento gráfico que se repete em maior ou menor escala.
Caboclos, entidades espirituais com características indígenas e regionais, inserem-se no Candomblé em uma perspectiva liminar. Suas presenças evocam formas de comportamento sociorrituais nas fronteiras de tradições reterritorializadas. Por um lado, o termo foi utilizado para denominar um resultado da mistura entre indígenas e brancos, operando uma diluição da identidade e apagamento étnico através da mestiçagem. Por outro, as expressões de espiritualidades indígenas nas religiões afro-brasileiras foram pensadas sob a formulação teórica do sincretismo. No entanto, articulando uma contramestiçagem, as ações das entidades operam um engajamento na transformação do significado da categoria Caboclo, antes utilizada para denominá-las em campos teóricos da mistura. Ao abordá-los na perspectiva dos estudos da performance, com ênfase no "aqui e agora", enfatizamos as possiblidades de uma composição que estabelece relações entre suas ações e poderes a um conjunto de articulações de um imaginário social. A performance possibilita um devir da experiência, um material em movimento. No culto aos caboclos, agenciam-se poderes a partir da função integradora do ritual, estabelecendo um acesso a domínios e ancestralidades indígenas. Mais do que representações, nos terreiros são mobilizados modos de relação com uma possibilidade de cultura indígena viva na ação das entidades. Suas manifestações são o encontro entre mundos – um encontro "afroindígena" – experiências narradas e atualizadas nas práticas rituais. Contrabalanceando formulações teóricas dos campos de estudos da performance e estudos das religiões afro-brasileiras, buscamos analisar o repertório utilizado na restauração de comportamentos dos caboclos, considerando sua manifestação como um ato cosmopolítico. A manifestação das entidades, afirmando uma identidade indígena, apresenta homologias com processos de etnogênese de povos indígenas do Nordeste. Partindo da premissa de que na performance o "como se" não se diferencia do "é", utilizamos a categoria "performados" para designar e propor uma possível leitura da apresentação dos Caboclos nos candomblés.
En este artículo se resume y discute la entidad arqueológica Goya-Malabrigo (González, 1977; Ceruti, 2003) a la luz de la nueva información generada en el Delta Superior del río Paraná y en el Paraná Medio. Este trabajo tiene como fin caracterizar a esta entidad, presentar algunos nuevos rasgos distintivos y precisar su cronología. Se propone integrarla además a la arqueología de la cuenca inferior del Plata en un marco más amplio: el de la dinámica cultural de las Tierras Bajas Tropicales de América del Sur. Para esto, se sintetizan los modelos de expansión o ?diáspora? arawak que han desafiado los mecanismos clásicos de migración y que se han enfocado en la comprensión de los procesos de etnogénesis. Finalmente, se discute la filiación arawak de Goya-Malabrigo, retomando la propuesta inicial de Nordenskiöld (1916) en base a las nuevas investigaciones sobre los modos dispersión de este grupo etno/lingüístico. ; Este artigo resume e discute a entidade arqueológica Goya-Malabrigo (González, 1977; Ceruti, 2003) à luz da nova informação gerada no Delta Superior do rio Paraná e no Paraná Médio. Este trabalho tem como objetivo caracterizar esta entidade, apresentar alguns novos traços distintivos e ajustar sua cronologia. Além disto, se propõe integrar-la à arqueologia de bacia inferior do Prata num contexto mais amplo: o da dinâmica cultural das Terras Baixas Tropicais da América do Sul. Para isto, se sintetizam os modelos de expansão ou "diáspora" arawak que têm desafiado os mecanismos clássicos de migração e que estão enfocando a compreensão dos processos de etnogênese. Finalmente, se discute a filiação arawak da entidade Goya-Malabrigo, retomando a proposta inicial de Nordenskiöld (1916) com base nas novas pesquisas sobre os modos de dispersão deste grupo etno/linguístico. ; Fil: Politis, Gustavo Gabriel. Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas. Centro Científico Tecnológico Conicet - Tandil. Investigaciones Arqueológicas y Paleontológicas del Cuaternario Pampeano. Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires. Investigaciones Arqueológicas y Paleontológicas del Cuaternario Pampeano; Argentina ; Fil: Bonomo, Mariano. Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas; Argentina. Universidad Nacional de La Plata. Facultad de Ciencias Naturales y Museo. Departamento Científico de Arqueología; Argentina
As universidades têm se constituído espaços de estratégias de afirmação, interação e representação do protagonismo indígena no Brasil. O acesso de indígenas ao ensino superior tem possibilitado a ampliação de debates relacionados às causas indígenas. Pesquisadores e estudantes de diferentes áreas de conhecimento têm desenvolvido trabalhos no âmbito do Ensino Superior, evidenciando a legitimidade e atualidade dos Movimentos Indígenas nas relações que estabelecem com a Formação Superior. Tais fenômenos etnicossociais, os quais temos denominado de etnogêneses, decorrem de longos processos de emergência, valorização e reconhecimento da diversidade étnica no país. Diante do ingresso cada vez maior de indígenas nas instituições de educação superior no Brasil, consideramos oportuno desenvolver algumas reflexões sobre a questão. Nesse sentido, o objetivo deste texto é rascunhar algumas considerações sobre o acesso de sujeitos indígenas nas universidades como estratégia de interação com a comunidade envolvente, constituindo-se como oportunidade consistente de articulações necessárias ao fortalecimento dos movimentos indígenas. Para tanto, apresentamos algumas questões que nos permitam refletir sobre os desafios enfrentados pelos acadêmicos indígenas na atualidade.Palavras-chave: Protagonismo indígena contemporâneo. Movimentos indígenas. Ensino Superior.Indigenous movements and the university space: alternatives to indigenous protagonism in the Brazilian AmazonABSTRACTUniversities have been constituted as spaces of affirmation strategy, interaction and representation of the indigenous protagonism in Brazil. The access of indigenous people to higher education has made possible an expansion of debates related to indigenous causes. Researchers and students from different areas of knowledge have developed works in the context of higher education that evidence a legitimacy and an update of the Indigenous Movements in the relations with the creation of a Superior Formation. Ethnogenesis phenomena come from long processes of emergence, appreciation and recognition of ethnic diversity in the country. Faced with the growing number of indigenous people in higher education institutions, in Brazil, considerate about the problem. Our objective is to point out some considerations for thinking about the access of indigenous subjects to the university as a strategy of interaction with a surrounding community, constituting it as a consistent opportunity of articulations for the strengthening of indigenous movements in Contemporary Brazil. Therefore, we present some questions that allow us to reflect on the challenges faced by indigenous academics.Keywords: Indigenous movements. Higher education. Ethnogenesis.Movimientos indígenas y el espacio universitario: alternativas al protagonismo indígena en la Amazonia brasileñaRESUMENLas universidades se han constituido en espacios de estrategia de afirmación, interacción y representación del protagonismo indígena en Brasil. El acceso de indígenas a la enseñanza superior ha posibilitado una ampliación de debates relacionados con las causas indígenas. Investigadores y estudiantes de diferentes áreas de conocimiento son desarrollados trabajos sin enseñanza de enseñanza Enseñanza superior que evidencian una legitimidad y una actualización de los Movimientos Indígenas en las relaciones con la creación de una Formación Superior. Fenómenos de etnogénesis provienen de largos procesos de emergencia, valorización y reconocimiento de la diversidad étnica en el país. Ante el ingreso cada vez mayor de indígenas en las instituciones de educación superior, no Brasil, consideraciones sobre el problema. Nuestro objetivo es apuntar algunas consideraciones para pensar el acceso de sujetos indígenas en la universidad como estrategia de interacción con una comunidad envolvente, constituyéndose como una oportunidad consistente de articulaciones para el fortalecimiento de los movimientos indígenas en el Brasil contemporáneo. Para ello, presentamos algunas cuestiones que nos permitan reflexionar sobre los desafíos enfrentados por los académicos indígenas.Palabras clave: Movimientos indígenas. Enseñanza Superior. Etnogénesis.
É um grande prazer reunir neste dossiê os trabalhos de seis membros do LAGERI que realizaram apresentações em reuniões deste laboratório ao longo dos últimos anos. Apesar de representar apenas alguns dos muitos membros do LAGERI, esses seis artigos apresentados neste dossiê mostram a variedade de pesquisas realizadas, por alunos e ex-alunos meus, embora todos compartilhem um interesse em estudos sobre relações interétnicas. O trabalho de Lidiane da Conceição Alves, que ingressou no mestrado em antropologia da UnB em 2017, e realiza pesquisa sobre o tema de professores indígenas e educação escolar indígena entre o povo indígena Apinajé no Norte do Estado do Tocantins, aborda a relação do povo indígena Panhi (melhor conhecido na literatura como Apinajé) com a instituição escolar. A autora busca uma interpretação da escola como espaço de fronteira simbólica, como espaço privilegiado de diálogo entre os mundos indígena e não indígena.
Alessandro Roberto de Oliveira, ex-aluno do DAN/UnB, e atualmente professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da UnB, defendeu sua dissertação de mestrado "Política e Políticos Indígenas: a experiência Xakriabá" em 2008, e sua tese de doutorado, "Tempo dos netos: Abundância e escassez nas redes de discursos ecológicos entre os Wapichana na fronteira Brasil-Guiana", em 2012. Sua contribuição ao dossiê é um trabalho fundamentado em sua pesquisa realizada para o mestrado entre os Xakriabá, e aborda o impacto da mistura nas concepções interétnicas acerca da indianidade, a partir de um foco etnográfico que é um episódio de interpelação à identidade de um lavrador Xakriabá. A partir da noção de "colonialidade do poder" do sociólogo peruano, Aníbal Quijano, o autor examina um momento em que o movimento indígena começou a desestabilizar a colonialidade do poder no município de São João das Missões, no norte do estado de Minas Gerais. O autor descreve a experiência da etnicidade Xakriabá como um microcosmo da crise do colonialismo interno, em que um movimento de descolonização das relações de poder visa eliminar a exploração e a servidão afirmando que uma perspectiva decolonial está sendo inscrita e vivida pelos jovens Xakriabá.
O artigo de Jurema Machado de Andrade Souza, que ingressou no doutorado em antropologia da UnB em 2015, sobre o tema dos indígenas da Reserva Caramuru-Paraguassu e o Estado Brasileiro, busca demonstrar os arranjos étnicos concernentes à coletividade autodenominada Pataxó Hãhãhãi, na Reserva Indígena Caramuru-Paraguassu, no sul do estado da Bahia. O foco deste artigo, fruto de muitos anos de pesquisa junto a esses indígenas, está nas implicações políticas e territoriais, procurando discutir de que maneira as distintas percepções sobre as histórias de cada grupo/família e etnia produziram uma narrativa de luta que possibilitou a retomada integral do território indígena ao longo das três últimas décadas. A autora ressalta que a escassez de terra e a desterritorialização imputaram a esses indígenas novos reordenamentos de ocupação a partir de novas alianças e denominações étnicas em uma situação atual em que a tensão em torno das chamadas origens e etnias está ficando ainda mais evidente.
O artigo de João Francisco Kleba Lisboa, que defendeu sua tese de doutorado no DAN/UnB, "Acadêmicos Indígenas em Roraima e a Construção da Interculturalidade Indígena na Universidade: entre a formação e a transformação", em 2017, retoma o debate em torno da noção de etnogênese, estendendo-o ao contexto histórico da América Latina e do Caribe e relacionando-o à categoria de Povos Indígenas, utilizada por movimentos indígenas de cunho étnico-político em diversas partes do mundo.
Walison Vasconcelos Pascoal defendeu sua dissertação de mestrado no DAN/UnB, intitulada, "Imagens da Sociopolítica Borum e suas Transformações" em 2010, e atualmente é doutorando em antropologia social da Universidade Federal de Minas Gerais, onde continua sua pesquisa junto aos Borun/Krenak. Seu artigo neste dossiê aborda a experiência histórica de resistência do povo Krenak a uma longa trajetória de violências estatais, presente em suas narrativas na palavra luta. O artigo aborda os diferentes significados de luta para o povo Krenak, dando ênfase à luta que está ancorada em uma consciência histórica, em que os jovens que passam a assumir a função de líderes buscam desenvolver projetos culturais focados nos conhecimentos tradicionais, fenômeno que chamam "ressurgência cultural". Os projetos são pensados enquanto lutas que se orientam para o futuro, focado em aspectos culturais como a língua e a religião. O artigo é fundamentado na pesquisa colaborativa que está sendo realizada pelo autor para o registro dos conhecimentos associados à estátua sagrada do povo Krenak.
Lediane Fani Felske defendeu sua tese de doutorado intitulada, "Dança e imortalidade. Igreja, festa e xamanismo entre os Ikólóéhj Gavião de Rondônia", no DAN/UnB, em 2017. O artigo, que versa sobre esse povo indígena, visa compreender, após uma convivência com missionários da Missão Novas Tribos do Brasil desde 1965, e uma decisão tomada por eles em 2006 de levar as danças para a igreja durante os cultos festivos, os múltiplos significados das festas da igreja para os Ikólóéhj. A autora sugere que as festas da igreja constituam uma forma atualizada das festas tradicionais que estão em constante transformação, onde a igreja se tornou um dos principais instrumentos para que os Ikólóéhj exerçam sua criatividade.
Estes seis trabalhos, dentro muitos outros, impossíveis de ser inseridos nesse dossiê, são exemplos da riqueza de produção acadêmica que resulta do LAGERI e contribuem para os estudos sobre relações interétnicas.