O presente artigo propõe uma reflexão em torno do fenômeno migratório, diásporas e cidadania global – a partir da perspectiva dos países emissores de emigração. Do drama humano às reivindicações sociais e políticas, da negociação de pertencimentos à prática da cidadania global, o intercultural se impõe como conceito central para a compreensão das transformações sociais, políticas e culturais em curso.
No afã de contribuir à compreensão do atual fenómeno de ativismo de mulheres migrantes, o presente trabalho tem por objetivo analisar a construção discursiva histórica da condição da mulher migrante até a experiência de uma das voluntárias do coletivo "Equipe de Base Warmis – Convergência das Culturas", um Movimento Humanista, que tem por missão facilitar e estimular o diálogo entre as culturas, denunciar e lutar contra toda forma de discriminação contra a mulher migrante. Também apresentaremos algumas estações expressivas do processo de luta das mulheres migrantes por agência e autonomia. Antes excluídas, ignoradas e caladas, as mulheres em geral e as migrantes em particular se organizam associativamente para disputar seu direito à fala e conquistar a cidadania social, cultural e política. Metodologicamente, longe de se engessar na lógica formal de causalidade linear, a nossa reflexão se estrutura em torno de eixos factuais e conceituais complementares suscetíveis de restituir o significado da problemática em suas diversas dimensões, assim como narrativas de histórias de vida.
A webdiáspora, enquanto espaço de reordenamento de experiências e práticas sociais e subjetivas dos imigrantes e comunidades diaspóricas, contribui necessariamente na produção de marcas e rastros existenciais individuais e coletivos no plano subjetivo e simbólico. A pergunta que se coloca, todavia, é se tal configuração cognitiva, de natureza abertamente 'a-espacial', constitui uma forma diferenciada de suporte à tradicional 'memória coletiva' proposta por Maurice Halbwachs ou se limita a reforçar as modalidades de sociabilidade que prescindem naturalmente do espaço físico. A partir de uma reflexão teórica que une as noções de 'memória coletiva' do próprio Halbwachs, de 'espaço nostálgico' de Abdelmalek Sayad e de 'transnacionalismo' explorada por diversos autores, entendemos que, ainda que não possa se substituir à 'memória coletiva espacial' ou se sobrepor ao 'espaço social', a webdiáspora não deixa de oferecer preciosos subsídios mnemônicos e interativos para as comunidades de imigrantes que se encontram no exílio; principalmente, ao reunir e tornar acessíveis registros informacionais de caráter identitário que contribuem para a consolidação do sentimento de pertencimento ao grupo e manutenção dos laços comunicativos transnacionais.
A facilidade de comunicação e a velocidade de deslocamento proporcionadas pela globalização contribuíram para o aumento do número de casamentos interculturais pelo mundo. Casais e famílias marcados pelo pluri-pertencimento e pela diversidade cultural, étnica e/ou religiosa surgem sob a égide da interculturalidade – que subtende suas modalidades de sociabilidade e os instiga a revisar suas crenças e imaginar formas práticas de conciliar suas diferenças. A questão, aqui colocada, é como as mulheres protagonistas de uma realidade transnacional (brasileiras casadas com estrangeiros e estrangeiras casadas com brasileiros) negociam valores, visões de mundo e projetos de vida? De que modo são apropriados e traduzidos os registros simbólicos de cada um dos componentes do ente familiar intercultural? Indagações às quais buscamos responder, a partir de uma análise discursiva de práticas culturais e sociais no cotidiano (principalmente através da culinária e a comensalidade) e suas interpretações enquanto manifestações interculturais e intersubjetivas.